Você em uma taça de vinho


Eu bebi esse vinho e lembrei de você. Lembrei de você tentando me ensinar a degustar vinhos. Eu não entendia nada, mas fazia questão de caprichar na cara feia a cada novo gole só para ver sua cara de desapontado por minha falta de vontade de aprender.


“Para com isso, você está se aplicando pouco.”

Eu ria. Balançava a taça, tomava um gole, enchia a bochecha e esperava, aí engolia tudo. Seus olhos aguardavam ansiosos pelas minhas palavras, e eu:

“Nhamm!!! Bonzinho.”

"Bonzinho?! Que mundo você vive? Esse vinho é incrível, um dos melhores da safra, como você não consegue sentir?"

Eu gargalhei ante a sua indignação e tomei mais um gole do vinho. Apesar de seguir sem entender nada, eu gostava de sentir o sabor daquela bebida aveludada.

"Você precisa entender que eu não tenho um paladar tão apurado como o seu e está tudo bem."

"Eu só quero que você possa sentir tudo o que sinto."

Era bonitinho assistir a sua preocupação em me oferecer os melhores vinhos. Apesar de já ser sommelier há 3 anos, tinha começado há pouco tempo os estudos para ser um enólogo. Achava lindo observar você estudando as uvas, os modos de fermentação, os solos, etc., etc.

"Gato, vamos combinar uma coisa, você faz a seleção, eu confio e brindo com você. Está bem?!"

"Está, mas, sei lá, achei que podia te ensinar alguma coisa."

Você ficou tristonho, eu larguei tudo e te beijei. "Não preciso aprender, você está aqui do meu lado para me servir o melhor". Os seus olhos brilharam, você não assumia, mas adorava quando eu valorizava a sua especialidade. E, aqui entre nós, eu só saia ganhando, já que você constantemente trazia ótimos vinhos para nossos encontros. Até em feiras de vinhos e vinícolas fomos juntos, foi um tempo bom...

Tomo mais um gole desse meu vinho e continuo pensando em você. Como será que está agora? Fico pensando se aprovaria a minha garrafa de vinho ou se brigaria comigo pela escolha duvidosa. Demorei muito tempo para entender que Carménère, Merlot, Malbec, Pinot Noir, Carbenet Sauvignon eram uvas diferentes. "Diana, você não escolhe o vinho apenas pela marca, tem a uva, a safra, são tantos detalhes". Olho para minha garrafa e já tenho a minha preferida, talvez você fosse gostar de saber: adoro um bom Carménère.

Lembro dos nossos momentos juntos, de como era delicioso estar ao seu lado, mesmo quando você era tão chato que dava vontade de mandar ir catar coquinhos. Eu pensei que você era o meu cara. Afinal de contas, quem encontra um somellier pronto para te bajular com uma taça de vinho apenas para ver um sorriso no seu rosto? Dou outro sorriso só de pensar nessa noite, tomo mais um gole e entendo o porquê gosto desse vinho: ele estava presente quando nos conhecemos.   

Que pena! Pena que não vingou! Você poderia estar ao meu lado e não está. Nós tínhamos algo realmente bonito, éramos o casal admirado por todos - ou pelo menos fingiam muito bem. O que dizer? Eu não podia ser egoísta e dizer: não vai. Não, era totalmente contra tudo o que eu acreditava. Você precisava seguir o seu caminho, o seu sonho, afinal de contas, receber uma bolsa para um curso de enologia na Itália é um grande privilégio. 

Foi o término mais estranho que tive. Estranho porque eu sempre era tão dramática, chorando, causando, odiava todos os meus términos. Com você não, com você foi natural, você me contou da bolsa e eu já não conseguia mais nos ver juntos. Você ficou, claramente, decepcionado com a minha reação, parecia esperar mais de mim, talvez, a minha reação tenha te confundido, você deve ter achado que eu encarava nosso relacionamento como algo passageiro. Juro, juro que não! Juro que doeu demais, muito mesmo e foram necessárias boas garrafas de vinhos vagabundos para afogar minhas mágoas. 

- Amor, você vai querer qual pizza?!

E fui despertada para minha realidade. 

- Hoje vou querer quatro queijos. - grito para meu noivo, sorrio e tomo mais um gole. Que delícia pensar que você passou pela minha vida, foi bom, te amei, nos amamos e foi tão especial como todas as garrafas de vinho que compartilhamos na tentativa de apurar o nosso paladar. 

1 Comentários

  1. Anônimo5:01 PM

    Esse texto me fez pensar muito, tão bom poder guardar algo com carinho e sem dor. Mas ao mesmo tempo é nítido que ela levará para sempre, até o último suspiro mesmo que ela seja muito feliz sem ele.

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