Vontade do nada


 — Já volto. — pego minha bolsa de qualquer jeito, sem ao menos verificar se realmente estou com todas as minhas coisas ali dentro. Ao longe minha mãe grita por mim e eu não respondo. Eu só preciso sair dali. Torço para o elevador chegar depressa, droga, ele parece mais lento do que nunca. Que droga! Foi eu abrir a porta do elevador, o meu pai aparece para saber onde eu estou indo.

— Eu já volto, não se preocupe. — não quero dar explicações, só quero poder sair correndo rumo ao seu encontro. Você não sabe disso, eu não sei disso. Foi uma vontade súbita, uma vontade súbita às onze horas da noite, talvez, uma vontade pouco responsável, é verdade. Saio do prédio e continuo correndo, não tenho tempo para Uber, não tenho tempo para ônibus. Ainda bem que, tecnicamente, você não está tão longe e, ainda bem que dei uma aumentada nos meus treinos de corrida.

Cheguei! Vou entrando. A pizzaria está com uma porta fechada, apesar dos aumento de pedidos quanto mais o relógio se aproxima do dia seguinte. Olho para os lados e não te vejo. Mas que droga, era para você estar no atendimento. Respiro fundo, o que estou fazendo? Nós não combinamos nada depois daquela noite né?! Nada!

— Ei, o que você está fazendo aqui? — ótimo, o Enzo me viu. Ele está no meu pé desde, desde antes de você tomar coragem de chegar em mim. Mas, eu não quero o Enzo, quero você. Então, eu espero. Esperei até essa noite virar ontem. O que aconteceu? A minha fada madrinha resolveu que era minha noite e me enfeitiçou?

— Ah, nada não. Quer dizer, hum...vou levar uma pizza, uma de calabresa. — pergunto olhando para os lados, procurando por você.

— Calabresa? Você está comendo carne?

— Tô, tô. — respondo no automático, eu não vou comer aquela pizza, eu não estava ali por causa da pizza. Para de me encher. Começo a bater o pé nervosamente e sinto as mãos suando. — Cadê o Diego?

— Está lá atrás, organizando as lenhas. — bufo, eu não quero te chamar, não preciso disso, só espero que a pizza não fique pronta antes de você aparecer.

— Você tá legal? — caramba Enzo, me esquece, balanço a cabeça afirmativamente.

— Ei Enzo, amanhã vamos precisar fazer mais um pedido de lenha. — Diego surgi falando e o Enzo sinaliza com o olho, então, ele me vê. — Oi?! Tudo bem?

— Tudo sim. — respondo como quem não quer nada.

— O que está fazendo por aqui? — vem em minha direção para me cumprimentar com um beijo. Hum, meu corpo estremece ao sentir o cheiro de lenha queimada nele.

— Ah, nada não, só vim pedir uma pizza...

— ...de calabresa. — completou o inconveniente do Enzo. O Diego faz uma cara estranha e pergunta. — Está tudo bem mesmo? — Porque as pessoas perguntam isso quando sabem, com total certeza, que não está. Quando sabem que querem, na verdade, perguntar outra coisa. Por que elas não vão direto ao ponto da pergunta que foi criada na cabeça e o medo impediu de pronunciar?

Pelo olhar dele eu sabia sobre o que exatamente aquele ‘tudo bem’ significava. Mas, eu não podia dar o braço a torcer. Eu só precisava ver ele. Ver e sentir, digo, sentir se eu realmente sentia, se eu realmente. Ah, droga! Droga! Por que aquela noite aconteceu?

— Aqui, sua pizza de calabresa. — Enzo coloca a pizza entre mim e o Diego. Meu estômago embrulha. — Você veio andando? — pergunta o Enzo, ao notar a ausência de carro na vaga. Confirmo. — Ah, não, assim a minha pizza vai chegar fria na sua casa. Diego, segura aí, vou levar ela na casa dela.

Oi?! Não, não... Droga! — Não precisa Enzo, chegando lá eu aqueço.

— Tá doida é?! Ninguém aquece minha pizza, quer aquecer, compra congelada. Segura as pontas aí Diego que volto já.

O Diego nem reagiu, ficou assistindo o Enzo e eu montando na moto. — Obrigada Enzo. — Ele sorri e me dá o capacete.

Por que eu fiz isso? O que exatamente eu achei que ia acontecer quando eu chegasse na pizzaria? Que patético.

— Hum, Enzo, acho que esse não é o caminho da minha casa. Enzoooo!!! — grito me agarrando um pouco mais na cintura dele para ele sentir que eu o estava chamando.

— Eu sei! — grita ele de volta. — Calma, só vou te mostrar um negócio.

Então, ele para em frente a uma pracinha que, por alguma razão bizarra, eu nunca tinha ido. Tira o capacete e pede para eu segui-lo. Tiro o capacete e sigo.

— O que estamos fazendo aqui? Está meio escuro. Você falou que a pizza não podia esfriar...

Paramos em frente a uma fonte iluminada e funcionando. Quem colocou essa fonte iluminada nessa praça? Desde quando temos isso aqui na cidade?

— Lindo né?! — sim, era lindo. Seria mais perfeito se eu estivesse com o Diego. — É muito bonito mesmo. — respondo — O que estamos fazendo aqui? — completo.

— Nada demais, eu só queria te trazer aqui, achei que ia gostar.

Enzo se aproxima de mim e começa a mexer nos meus cabelos. Eu me afasto.

— Vamos Enzo, quero ir embora. Você sabe que eu não quero isso, eu e você, não vai rolar.

— Como não? Você acha que não sei que foi até a pizzaria com a desculpa de uma pizza de calabresa só para me ver? — Oi?! Como alguém pode ser tão cheio de imaginações assim?

— Desculpe Enzo, desculpe se passei essa mensagem, mas, não fui lá para te ver.

— Como não? Você não come pizza de calabresa, você só pode ter se confundido porque me viu. Eu causo isso nas mulheres. — e seguiu fazendo carinho no meu cabelo, tentando se aproximar ainda mais de mim.

— Enzo, para! Eu fui comprar pizza para os meus pais, é isso. Agora estou proibida de comprar pizza para eles? Inclusive, precisamos ir AGORA! Eles devem estar preocupados e você não está muito bem hoje.

— Bia, Bia, Bia, quando você vai se dar conta que eu sou o cara que está procurando?

— Primeiro: quem disse que estou procurando? Segundo: quando você vai parar de me azarar, ainda mais que já deixei claro que não quero nada com você? Terceiro: a Joyce já sabe que você fica tentando dar em cima de mim enquanto manda flores para ela?

— Nossa, você pega pesado mesmo né?

— Ah, me poupe né Enzo.

— Tá bom, tá bom... — Enzo levantou as mãos se rendendo e foi se afastando. — Vamos embora então, sobe aí, vou te levar para casa.

— Para minha casa né?!

— É claro bonitona. Não sou tão idiota como você pensa.

Subo na moto implorando para chegarmos logo. Não quero mais sentir o corpo dele no meu. E, droga, por que eu fui à pizzaria se não falaria nada com o Diego?

Eu estou tão irritada comigo que quase caio da moto. O Enzo nem parou direito e já salto da moto.

— Olha aqui sua pizza, linda. — pego a pizza e saio em direção a portaria. Respiro aliviada ao ouvir a moto acelerar. Droga, por que estou chorando? Preciso me recuperar antes de entrar.

— Beatriz? — levo um susto tão grande que quase deixo a pizza cair. Olho para o lado, colocando a mão no portão para entrar e vejo o Diego.

— O que você está fazendo aqui?

— O mesmo que você foi fazer na pizzaria agora pouco. — ele responde sorrindo para mim. — Você realmente achou que eu não tinha entendido o porquê você apareceu lá, pedindo pizza que você não come, quase na hora da pizzaria fechar?!

Eu não sabia se ria, se chorava, droga, eu devo estar de tpm, só pode ser... Somente esses malditos hormônios para me dar coragem do nada, me fazer chorar, rir, brigar e sair correndo.

— O que você está fazendo aqui? — repito a minha pergunta. Eu preciso de uma resposta mais clara.

— Eu vim aqui te ver. — ele se aproxima de mim, segura a pizza e toca o meu rosto, meus lábios... — Vou te beijar. — Imóvel, eu concordo.

Ele me beija. Nos afastamos para respirar, sorrio:

— Por que você demorou tanto? O que o Enzo aprontou?

— O Enzo?! — desperto — Ele me queria.

— Oi?!?! O que você quer dizer com isso?

— Ué, o que você entendeu. A propósito, porque você não reagiu mais rápido quando me viu na pizzaria?

— Não sei. Acho que eu não esperava você lá, eu estava organizando as coisas para fechar tudo. Não te esperava. Era meia noite.

— É, eu sei. Meio esquisito. Droga, falando nisso, preciso entrar. Meus pais devem estar preocupados.

— Tudo bem. Vai lá. Podemos nos ver amanhã? Você precisa me contar o que o Enzo aprontou e, bem, precisamos conversar.

Eu ainda estava um pouco balançada com tudo.

— Toma sua pizza. A propósito, é de Margherita viu?!

— OI?! — perguntei surpresa.

— Sério mesmo que você achou que eu engoli a história da pizza para os seus pais? Já que você foi lá só para me ver. Eu achei justo que você ficasse com uma pizza que realmente gosta.

Ele deu uma piscadinha para mim e adicionou outro beijo. Eu não queria sair dali, mas precisava entrar. Amanhã podemos conversar, mas, eu já tinha o que eu precisava: o beijo dele para ter uma bela noite de sono.

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