Senhor Bluetooth


- Oi! Desculpe... - empurro a porta até ter uma fresta com espaço suficiente para enfiar minha cabeça - ... estou atrasada, mas preciso estar nessa reunião.
- Ah sim, sem problemas. A reunião já começou, mas você pode entrar. - disse o homem que dirigia a reunião.

- Obrigadinha. - dou um sorriso tímido e tento entrar de forma discreta. Aqui entre nós, nunca entendi esse negócio de pedir licença para entrar, às vezes acho que atrabalha mais do que menos. Assim, se eu só abrisse a porta e entrasse, como se nada tivesse acontecido, o moço nem ia notar eu entrando, nem ia precisar parar o que estava falando para falar comigo...Enfim... Por isso, só entrei de verdade quando ele me virou as costas. 

Caramba, tem bastante gente. Tento encontrar um lugar para sentar, nesse instante o homem vira na minha direção e me olha nos olhos. Não foi um olhar de bronca do tipo 'você ainda não sentou?', mas uso meu sorriso de desculpas e corro para uma cadeira vazia. 

- ... a fala dela...- Peraê, esse 'dela' sou eu? Ele está me usando como exemplo? Não pode ser... Gente, eu só cheguei um pouco atrasada, nem foi tanta coisa assim. Droga, o que foi que ele falou? Como odeio ouvir as coisas pela metade.

Certo, respira fundo e foco! Ele está falando de um assunto chato, mas importante, ainda bem que ele tem um jeito engraçado, caso contrário acho que eu dormiria. Droga de seriado que me fez dormir 3 da manhã. 

Nossa, pelo visto ele é bem resolvido sexualmente, isso na nuca dele com certeza não é uma mancha de nascença. Não é exagero não, a mancha é tão grande que é impossível passar despercebida. Além disso, ele vem o tempo todo na minha direção. O que tanto ele vem para o meu lado? Tá bom, tá bom, todo mundo já sabe que eu cheguei atrasada... Já deu né?! Ele pode parar de ficar dando indiretas para mim, desculpa né, até parece que nunca se atrasou na vida.

Abaixo a cabeça usando uma anotação como desculpa para evitar os olhos dele. A voz dele some. Mantenho a cabeça baixa, espio com os olhos, acompanho outra pessoa tomando a direção da reunião e ele sentando duas cadeiras de distância de mim. Bonito. Ele começa a conversar com o rapaz que está do meu lado.

- Você viu cara, fui fazer um tratamento para a coluna e fiquei com esse roxo terrível. 

Ahhhh.. tá o roxo não resultado de uma pegação qualquer, decepcionante.

- Credo! Mas resolveu? - o rapaz perguntou e eu só ouvindo como quem não quer nada.

- Ah sim, sim. Apesar de achar que foi uma dor que me fez esquecer a outra dor, não que necessariamente tenha resolvido sabe?!

- Verdade né?! - oi? Eu estou respondendo ele? É isso mesmo? Estou me metendo na conversa? - É como se a razão da dor ter sumido é porque uma nova dor, mais forte apareceu, elas não dividem o mesmo espaço. - maldita boca que não sabe ser discreta. Não dava só para ouvir a conversa e engolir o comentário para mim? 

- Isso mesmo, isso mesmo! - ele respondeu para mim, enquanto o rapaz do meio afastava um pouco nos deixando à vontade para a conversa. O assunto morreu do mesmo modo como começou, foi meio estranho, mas sei lá.

Balanço a cabeça e sigo prestando atenção em tanto assunto desnecessário. O meu celular brilha. Estranho, eu tinha desligado a internet. Eita, hoje em dia quem pede autorização para se conectar com bluetooth? Minha curiosidade manda no meu dedo e clico para receber o arquivo. Negocinho chato isso aqui, espero que valha a pena.

"Por que você chegou atrasada?"

Eita como assim? Sério mesmo que alguém ficou tão incomodado com meu atraso a ponto de enviar mensagem pelo bluetooth? Foi maus aí... A pessoa teve o trabalho de escrever a mensagem em um papel e tirou uma foto para me mandar. Isso sim que é vontade de falar do meu atraso.

Olho rapidamente para os lados na tentantiva de encontrar alguém conhecido, tanta preocupação só podia ser alguém conhecido. Não reconheci ninguém. Meu celular brilha de novo. 

"Sorte a minha você estar com o bluetooth ligado. Vai me responder?"

Para tudo! A pessoa está me observando, sabe que recebi a mensagem. Roubo um post-it do colega vizinho e escrevo:

"Oi?! Quem fala?"

Fotografo e envio. Jamais imaginei trocar mensagens anônimas via bluetooth. O bobo do meu coração acelera na ansiedade pela resposta e manda sangue para os meus dedos que não param de tamborilar sobre a mesa. 

"Você ainda não me conhece."

Ah...jura? Eu já sabia disso né... Só pode ser uma brincadeira. Não sei se dou risada, se brigo e desligo o bluetooth. Quer saber, nem pensar que vou desligar, enquanto estiver nessa reunião chata eu vou tentar descobrir quem é. 

"Calma! Não precisa destruir a caneta."

Afasto a caneta da minha boca, já toda mastigada, ao ler a mensagem do meu admirador. Ele não para de olhar para mim.

"Engraçadinho" - só consigo escrever isso. É tudo tão ridículo e tão excitante que continuo as mensagens. O doido é que por mais que eu procure, menos eu enxergo comportamentos fora do comum. E o fato de o bluetooth dedurar a marca do celular não ajuda muito, as pessoas tem pelo menos dois celulares na mão. Para completar, como todos iam apresentando, as pessoas ficavam mudando de lugar.

Caramba, eu quase esqueci, sou a próxima a apresentar. Puts, viajei com essa brincadeira de recadinhos. Não pode isso não gente, preciso me recompor. Começo a organizar as minhas coisas e ouço o meu nome. Era a minha vez. Largo o celular ou levo comigo? E se ele mandar outra mensagem? Levanto enfiando o celular no bolso e vou.


No final das contas fiz uma boa apresentação. Na medida do possível, consegui esquecer o celular. A real é que foi melhor do que eu esperava. Perguntas pertinente, uma equipe com ideias interessantes e muito trabalho para desenvolver. 

Fiquei tão envolvida na conversa que aproveitei pouco a posição privilegiada para buscar o Sr.Bluetooth. Quando um homem participava eu tentava deduzir se era ele, mas sei lá né. Além disso, não dava para eu ficar olhando muito, ia ser esquisito. E, para completar, tenho dificuldades em focar em duas coisas ao mesmo tempo.

Mal sento e já estou com o celular na minha mão, na esperança de ter mais uma mensagem. Nada! Ligeiramente triste, pego a minha pasta na mesa e noto um post-it colado.

"Droga, tenho que sair. Você está indo muito bem, parabéns. Anota o meu número."

Como assim? Como eu não notei alguém levantando para a porta? Como não notei alguém colando o post-it na minha pasta? Como??? Porque estou pirando tanto? Ahhhhhh...

Olho para todos e ficou brava pela memória fraca, tenho dificuldades em notar quem não está mais na reunião. Mas, noto que com certeza mais de uma pessoa saiu, droga! Eu devo adicionar o número dele? E se me arrepender? Podia ficar só nisso, não?! Será que realmente quero ver no que isso vai dar? Ah...Sr.Bluetooth.

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