A Jogadora (im)Perfeita

Eu quero fugir, por um ou dois dias, quem sabe uma semana. Quero a chance de ser outra pessoa, de viver do jeito que eu queria ter vivido, sem as influências que me cercaram para tomar as decisões que tomei. Quero quebrar a cara porque fiz o que eu queria e não o que você mandou.

Quero parar de repetir que foi bom, foi certo, quando eu tenho as minhas dúvidas. Quero sentir a brisa nas minhas asas como há muito tempo não sinto. Fazer do meu jeito, no meu tempo. Se eu pudesse escapar hoje, parar o tempo sem que ninguém notasse a minha ausência eu faria. Faria muito, viveria coisas e momentos que estão presos em minha cabeça, tão desesperados para possuírem os meus ossos e fazerem movimentos inimagináveis

Eu quero continuar os meus jogos, sempre gostei profundamente deles, eles estão em mim, são a minha essência, sinto falta de manipulá-los, sinto falta do frio na barriga, da emoção e do desespero ao esperar para ver o que vai acontecer. Sinto falta do modo como tudo se articulava enquanto eu jogava. 

Eu sempre fui uma ótima jogadora, perdi tempo e boas partidas com o objetivo errado, mas é difícil estabelecer e ir em frente se o objetivo não condiz com as variantes impostas. Como eu queria ter tido mais coragem para arriscar as jogadas que me revelariam por mais completo. Ainda não entendo como pude me esconder, como pude desistir de mim mesma tantas vezes

Foi estupidez. Mas como eu poderia equilibrar, digo, há coisas que eu não abriria mão, coisas que com muito trabalho consegui manter em mim, comigo. Só não estou satisfeita, quero poder ir além, ir sem dizer para onde vou, muito menos com quem vou. Não quero mais me esconder, não quero mais reagir, quero ser eu. Qual eu? Não sei, mas estes dias estão obscuros, tenho desejos e vontades que não sentia, mas sei que são completamente meus, lembro claramente deles e sorrio. 

Sinto falta dessa leveza, os meus jogos sempre foram intensos, divertidos e incrivelmente leves. Posso sentir a brisa gelada tocando o meu rosto, o sorriso danado e os passos meticulosamente pensados transformando-me na jogadora perfeita

Talvez eu tenha falhado aí, não devia ter sido uma jogadora tão perfeita, algumas partidas exigiam certa imperfeição e eu não deixei rolar, não recuei, o jogo pode ter sido perfeito, mas talvez eu não tenha ganhado a partida como imaginava. 

Agora estou presa, impossível estalar os dedos para iniciar uma nova partida, isso me sufoca, me enfraquece e sinto que em breve não estarei aqui. Pelo menos não para eles. Para quem então? 

Eu só sei que hoje, hoje eu não queria estar aqui. Não queria ser este eu, queria ser o outro. Sim... posso me arrepender. Mas, queria o direito de poder ser sem ligar para a consequência, queria apenas ser e ter sem atingir ninguém, mas vai bastar eu ser para que todos resolvam me ver, como se um imenso holofote estivesse me iluminando, seguindo os meus passos, acompanhando os mínimos detalhes de cada um dos meus movimentos em qualquer partida que eu venha a participar. 

É uma sensação esquisita, sensação de não pertencimento, sensação de estar no lugar errado, no mundo errado, na hora errada. Nada aqui parece meu e talvez não seja. Talvez tudo não passe de inverdades para atrapalhar e manipular os meus movimentos, minhas decisões, será que nunca vou estar livre de verdade? Pergunto, mas sei a resposta. A quem eu quero enganar? É impossível, é impossível. 

Podia ser diferente. Por que tudo precisa ser tão caminhos sem volta? Não consigo julgar mais nada, quanto mais vivo, mais perco a minha habilidade de julgar. Como farei? Quem sou eu para fazer isso se, dentro das minhas limitações também começo a acreditar e até entender coisas que antes eram tão impensadas por mim. 

O que queremos afinal de contas? Para quê tanta vida se estamos fadados a viver somente de um jeito, caso contrário, somos negados.


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