Hora da Leitura: Autobiografia



Como conheci a obra

Para mim novas leituras são como novas aventuras. Foi o caso do livro Autobiografia, de José Luís Peixoto. Nos conhecemos de um modo um pouco diferente. Era 2019 e eu estava pela primeira vez na FLIP - a conhecida Festa Literária de Paraty. Por vários motivos, era uma viagem muito importante para mim.

Na festa, reparei o nome de José Luís Peixoto em diversas mesas e rodas de conversa. E foi na Casa Tag que eu vi o livro Autobiografia. Fiquei curiosa ao ler que era uma história com José Saramago, então comprei o kit do livro.



Como fui me envolvendo com José Luís Peixoto

Ainda em Paraty, eu tentei, mais de uma vez, começar a ler o livro, sem sucesso. Não tenho vergonha de anunciar estas tentativas fracassadas e parafraseando o livro:

"Não era eu que recusava lê-lo, era o livro que recusava ser lido."

A primeira vez que ouvi José Luís Peixoto fui conquistada pelo carisma tímido e paixão pela literatura, transmitida por suas palavras oralizadas. A curiosidade sobre os livros aumentou. 

E no bate papo na Casa Tag, José Luís Peixoto conversou sobre Autobiografia ao lado de Pílar. Foi tão emocionante que decidi entrar na fila de autógrafos - era imensa!


Sobre Autobiografia 

O livro conta a história de um escritor e seu complexo processo criativo. Enquanto lida com as narrativas de sua vida, tenta escrever um novo romance e também é o responsável pela produção do texto ficcional de cariz biográfico de José Saramago. 

Poderia ser uma simples história de um escritor e seus fantasmas. Mas aqui o escritor chama José, que tenta escrever sobre José Saramago e tudo isso está sendo elaborado por José Peixoto. É coisa de doido! 


Sobre a Escrita

A escrita de Peixoto é especial. Lembrei de Carrascoza, por conta do lírico e poético acentuado. Nesta edição, foi mantido a grafia do português lusitano, enfatizando a beleza da narrativa. 

Peixoto transformou momentos ordinários, como ao abrir uma geladeira e ver comida podre (abaixo). Fiquei encantada com essa característica.

"Então, abriu o frigorífico, mas fechou-o logo, angustiado com a visão que encontrou, leite azul, coalhado, fruta peluda, comida a transformar-se de acordo com a evolução das espécies, estágios iniciais de futuras civilizações glaciares, deem-lhes tempo e inventarão a roda, Darwin aperfeiçoaria as suas teses na análise daquele ecossistema."

Os diálogos não são anunciados com uma marcação estética. Aumentando a sensação de fluxo de consciência tão característico na vida dos escritores. Neste caso, mantém a dificuldade de encontrar um limite entre ficção e realidade.


Falando em literatura

O livro é uma celebração à literatura de Saramago e geral. Isto porque além da participação peculiar dos personagens de Saramago, todos os escritores, os Josés, fazem suas declarações de amor e ódio pela escrita e leitura. Achei incrível!

"É a literatura que permite essas disparidades? Exatamente. Continue.
A literatura é feita de espaços vazios a serem preenchidos por quem os interpreta, é isto?"


Os personagens

Além dos Josés, os demais personagens são igualmente importantes. Neste jogo de espelhos conhecemos Lídia, Bartolomeu, Fritz, Domingos, a mãe de José e Pílar - a esposa de Saramago.

O bacana é que os personagens revelam surpresas no decorrer da história e vivem numa intensidade imprescindível para a vida dos Josés.


Enfim, o que eu achei disso tudo

Se você leu todas as considerações, certamente deduziu, corretamente, que gostei do livro. É um livro para ser lido com olhares atentos, sendo essencial mergulhar na história, para impedir uma montanha de incompreensões.

Os capítulos tem tamanho médio, porém mais de uma história acontece em um mesmo capítulo, às vezes, com mudança de tempo, cenário e até personagens. O jogo para o encontro e desencontro destes Josés deixa tudo deliciosamente instigante.

Eu gostei do tom sarcástico e divertido presente na história. Desta coisa de mexer com os nossos eus e de tentar fazer um tremendo nó na nossa cabeça. Do modo comos os personagens são imperfeitos e como, mesmo assim, podem ser tão cativantes. 

A fantasia, muito presente na cabeça dos escritores, surge de modo singular. Inclusive, eu ser escritora incentivou eu gostar mais ainda do livro. Isto porque, vira e mexe, a história escancarava as realidades e expectativas de quem escreve.

"Ansiava pelas páginas desse romance invisível, cada palavra a ser uma montanha, pesada, difícil de escalar, a cobrir o horizonte e, ao mesmo tempo, a ser horizonte."

Tenho a sensação que Saramago se divertiria um bocado com este livro.


O autor


José Luís Peixoto é um escritor português. Romancista, novelista, poeta e dramaturgo, com direito a livros infantis. É licenciado em Línguas e Literaturas, pela Universidade Nova de Lisboa e um dos grandes nomes da literatura portuguesa contemporânea. 

O escritor estreou em 2000 com a obra Morreste-me e, no mesmo ano lançou Nenhum Olhar. Com Nenhum Olhar ganhou o prêmio José Saramago, em 2001.

Autobiografia foi lançado em 2019 como livro exclusivo do clube TAG Livros.

"O grande projeto é escrever. O futuro é imenso. O futuro é um oceano, e escrever é navegar."

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