Às Vezes Você Só Tem Uma Chance


Ainda com os olhos fechados me afasto buscando o ar perdido, sentindo o seu hálito na minha boca e um pouco de confusão mental. Escorrego delicadamente com suas mãos me segurando até a ponta dos meus pé atingirem o chão. Sinto a firmeza das suas mãos em minha cintura, auxiliando o meu equilíbrio.

Com a cabeça inclinada para o alto, abro os olhos e te vejo olhando para mim, clamando por uma resposta. Você precisa mesmo de uma resposta? Ou o fato de eu ter, tão surpreendidamente retribuído, foi o suficiente? Agora quais palavras devo usar? Baixo a cabeça por milésimos segundos, para confirmar que estou em terra firme. 

Uma leve tristeza me invade ao sentir que suas mãos não estão mais no meu corpo. O que foi tudo isso?

- Hum, tudo bem? - ele pergunta encabulado, como se fossemos recém conhecidos. Como se não tivéssemos passado praticamente o dia todo juntos. 

- É...sim, acho que sim. - sorri e começo a andar. Alguns poucos metros depois, sinto ele começando a me seguir. Estamos quietos. Tudo tão inesperado. O que houve?

Eu ainda não sei se simplesmente me jogo no pescoço dele e continuo beijando. Ou se saio correndo e fico dias sem responder as ligações dele. Uau! Isso foi...isso foi...

- É eu sei, você não esperava né? - ele puxa assunto, como se estivesse lendo minha mente. 

- Não, não esperava. O que houve? - sigo com a conversa, como se fosse a coisa mais normal do mundo.

Ele me puxa suavemente pelos ombros, estamos um de frente para o outro. Ele segura minhas mãos e olha nos meus olhos:

- O que você esperava? - mas, gente, que pergunta é essa? Eu estava quieta no meu canto, estávamos de boas. Eu deixei algum sinal despercebido até para mim mesma? 

- Eu, eu não sei. - fui sincera. Eu realmente não sei. 

Minha última lembrança, antes do beijo, foi de estarmos rindo sobre um xaveco que ganhei. Eu mal tinha levantado e um cara me cutucou. Pediu meu whats, queria conhecer a dona da risada mais gostosa do teatro. Impossível não se divertir desta situação. Eu nem sabia que uma risada pode atrair tanta atenção. Ok, às vezes, acho que só eu ria naquele teatro. Será que ele estava me elogiando ou tirando sarro de mim? 

Peraê, pensando bem, acho que só eu ria da situação, você estava pensativo. É, o seu rosto não aparentava satisfação por com alguém pedindo o meu contato, né?!

- Lucy, por favor, fala comigo. - ele ainda está segurando a minha mão e então dei conta do meu atual universo.

- Desculpe, eu...eu, caramba Má, o que foi isso? - soltei. Ele largou minha mão na hora, devo ter exagerado no tom. Senti como ele se perdendo por segundos. Não estava mais feliz como logo após o nosso beijo.

Matheus respirou tão fundo que eu assisti o seu peitoral subir e descer, no ritmo perfeito do inspira e expira. A coisa era de verdade. As pessoas costumam tomar fôlego assim quando vão soltar alguma informação reveladora. Ai caramba, reveladora. O que ele vai falar?

- Alô? 

Oi? Alô? Isso é hora de atender o celular? Quem na vida real fala alô no telefone? Pelo amor de Deus Matheus, desliga a droga do celular e fala comigo. O que ele está fazendo? Tem algo sério rolando aqui, fala que você está ocupado. Droga!!!!

 brava! Isso mesmo, de uma hora para outra, estou completamente brava e irritada. Não sei se porque ele tirou a atenção de mim, quando ia falar algo importante, ou porque eu não tenho a menor ideia do que está acontecendo aqui. Ou, merda! O que está rolando????

Apertei a pisada e sai rumo à praça da Sé. Não posso mais ficar, é demais para mim. Mergulho em meus pensamentos como se fossem fones de ouvido com música no volume máximo. Assim consigo ignorar os gritos dele. Pareço uma criança birrenta, eu sei, mas dá licença. Matheus acabou de me beijar, assim, puf! O Matheus! Isso não faz o menor sentido.

Entro no metrô e sento no banco individual para idosos, o metrô tá vazio e não quero ninguém ao meu lado. Baixo a cabeça. Malditos sapatos ridículos. - O que você está fazendo aqui? - pergunto virando a cabeça para o lado. Recolho as minhas pernas ao sentir as dele encostando nas minhas.

- Você realmente achou que eu ia deixar você andando de noite, pela Brigadeiro até a Sé? 

Olho com desdém, como se eu nunca tivesse feito caminhadas noturnas por São Paulo. 

- Lucy, a gente precisa conversar. – Brincou? Não tinha pensado nisso. Até onde sei, foi você que atendeu o celular na hora errada, não eu. Permaneci muda!

- Está bem. Vamos fazer assim, quando você quiser falar, a gente fala.
 
Boa, agora ele está jogando toda responsabilidade pra mim. Era só o que me faltava. Eu não vou aguentar a viagem toda com ele do meu lado. Neste silêncio, em que o acelerar do meu coração pode ser facilmente ouvido por todo o vagão com meia dúzia de pessoas. Isto está esquisito, mais um olhar dele e meu coração ia parar!

- Droga Má, porque você me beijou?! - Falei irritada e ele sorriu. 

- Porque eu gosto de você. - Assim, na lata? Ele respondeu NA LATA! Engoli seco. - Lucy, eu e você sabemos que tem algo acontecendo com a gente. E, já faz um tempo. Não adianta negar.

Tem? Eu sabia? Qual parte da história eu perdi? Será que ando tão avoada a ponto de não ter notado a possibilidade de um beijo surgir em uma bela noite em frente do Teatro Renault. 

Um filme em velocidade acelerada começa a ser exibido em minha cabeça. Isso não é bom, isso não é nada bom. Desvio o olhar e respiro fundo. Ele coloca as mãos na minha perna. Um frio percorre por minha espinha.

- Só acho que, hoje, sei lá, por alguma razão que eu também não sei explicar. Talvez, com um pequeno empurrão daquele cara querendo seu contato. Falando da sua risada e tals. Eu, apenas criei coragem. Chame de inspiração, culhões o que você quiser.

Meu pai, ele vai continuar sincerão o percurso todo? Isso existe mesmo?

Olho para o lado, como se quisesse confirmar se estou participando de alguma pegadinha, porque sei lá né. Hoje em dia. Tá, peraê, vamos lá...o que dizer.

- Safadeza? - Questionei com um sorriso de canto.
 
Ele sorriu e meus ombros relaxaram. Eu estava de novo com O Matheus. Como ficar bravo com ele? Certo, eu passava muito nervoso e ele me irritava com aquela mania idiota de cutucar minha cintura, me fazendo dar pulinhos bestas de susto. Como me irritava isso! 

Eu e o Matheus trabalhamos juntos há pelo menos cinco anos. O que é uma raridade para os dias de hoje, em que as pessoas não costumam ficar muito tempo em empresas. Nós não éramos do mesmo departamento e nos esbarramos em um happy hour da empresa. Foi alguma comemoração de cota alcançada ou desculpa esfarrapada qualquer para a gente não reclamar de salário. A mesa era grande e sentamos ao lado do outro, quase impossível não fluir uma conversa dali. Estávamos todos muito empolgados com uma boa refeição paga e boas doses de álcool. 

- Lu, chegamos. Vem...
 
Levanto e saio com Matheus pela plataforma. Nós descemos na mesma estação. Exato, faz cinco anos que praticamente vivo com Matheus, já que além de trabalharmos no mesmo lugar, moramos na mesma região. Nossas direções só mudam da porta da estação para fora. Eu pego mais uma lotação e ele vai andando para casa dele. 

- Matheus! - Chamo antes que ele tenha tempo de pisar no primeiro degrau da escada. 

Eu não vou dar espaço para essa avalanche de incertezas e pensamentos. Ele parou. Às vezes, é preciso levar em conta as chances oferecidas pelo universo. Sigo na direção dele. Sabe, gosto desta chance. Os olhos dele me acompanham. Meu coração acelera. Subo um degrau, apoio em seu corpo e me equilibro na ponta dos pés. Ah, seu olhar! Sorrio e encosto meus lábios nos dele. Era a minha vez! 

Depois, depois eu vejo no que vai dar, depois...



6 Comentários

  1. ❤ "Neste silêncio, em que o acelerar do meu coração pode ser facilmente ouvido por todo o vagão com meia dúzia de pessoas." ❤
    .
    .
    E eu que achei que oq eu precisava hoje era um conto romântico.. Mal sabia que oq eu precisava era um conto romântico com um beijo não esperado descendo do Renault pro metrô da Sé (cenário, inclusive, que eu JÁ me apaixonei!).
    .
    .
    Obrigada por esse presente, prima ❤🙏🏽!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eita coisa boa gente!!! Feliz que este conto foi abracinho romântico em seu coração. ;)

      Excluir
  2. Já comecei a me emocionar no inicio, com os olhos que pedem uma resposta em silêncio. É incrivel que detalhes como o peito se movimentando com a respiração profunda antes de uma revelaçâo ou as mãos apoiadas nas perna mexam tanto com a gente no texto. Quero mais!

    ResponderExcluir
  3. Sheila Palma12:07 PM

    Q delícia de conto... super me identifiquei com a parte q a Lucy vai embora pq ele atendeu o telefone no momento mais inoportuno rsrs. Celular inconveniente né!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Fala séri né? Tem horas e horas para atender celular.!

      Excluir