Ⓞ① 𝙰𝚍𝚖𝚒𝚛𝚊𝚗𝚍𝚘 𝙿𝚘𝚕𝚕𝚘𝚌𝚔


- É
lindo, não é?!

Uma voz me desperta da minha hipnose artística. Rapidamente, desvio o olhar para a voz.

- É incrível. - E volto à minha posição atual.

Meus olhos estão vidrados nesta tela cheia de rabiscos, estou completamente atônita. Eu estou em um universo completamente diferente, sem explicações. O meu corpo já não pertence a este mundo. Só agradeço a pessoa que entendeu a necessidade de um banco em frente a este quadro.

Eu já conhecia o trabalho do Pollock, mas, ver ao vivo, aqui, desta forma, com certeza me pegou desprevenida. E não sei explicar essas sensações. Vi ele de longe e logo reconheci. O meu coração acelerou e fui atraída como um imã para este banco. 

Ao mudar, de novo, a posição do meu corpo, começo a me questionar sobre o tempo que estou aqui. Mas ainda não quero sair. Tiro os sapatos, cruzo as pernas sob o banco e apoio as mãos para trás. 

- Ah, desculpe... - digo ao encostar em outra mão - Desculpa mesmo. - fico totalmente sem graça, onde eu achava que estava? Em casa?!

- Sem problemas. - ele responde tranquilamente, com um sorriso de canto.

Volto os olhos para a tela, agora um pouco incomodada por não estar sozinha neste banco. Antes era como se o museu estivesse fechado só para mim. Uma apresentação particular.

- Você realmente gostou desta tela né?! - ele puxa assunto comigo.
- Hum, sim! - olho pra ele - foi meio que paixão à primeira vista, ou talvez, segunda... Ainda não sei ao certo. - Volto os olhos para minha tela. Ela já é minha, de alguma forma. 

- Você é uma amante das artes? - pelo visto ele não vai desistir desta conversa. 
- Na verdade, apenas uma ignorante no assunto que gosta de uma pincelada ou outra. Sem razões técnicas. - respondo voltando os pés para meu tênis.

- Legal. Gosto disso. É como se as pinturas falassem com você de um jeito que ninguém fala...

Ainda amarrando o cadarço, interrompo:
- Isso mesmo! São apenas sensações. E, nem sempre vem de forma racional. Como este Pollock. - Já estou sentada, com uma perna meio dobrada no banco, inclinando minha atenção entre Pollock e o rapaz ao meu lado. - Você também gosta de ser surpreendido pelos quadros? - pergunto.

- Sim. Bastante. Não entendo nada de artes, mas quando estou entediado, vou ao museu para descobrir o que ainda não sei.
- Gostei disso! É mais ou menos o que eu sinto, tirando a parte do entediada. 
- Você é daqui?
- Não, na verdade sou de outro país. Estou apenas visitando.
- E o que tem achado? - ele pergunta.
- Até agora? Estou gostando bastante. Bem... devo ter ficado mais tempo do que devia neste museu. Então, preciso ir. - Levanto, pego minha mochila e começo a andar rumo a qualquer lugar.

- Ei... - ele vem atrás. - Sou Joe.
- Oi Joe! - estendo o braço em resposta ao cumprimento. Sinto a firmeza agradável das mãos dele e um frio na barriga. Ele é bonito e tem bom papo. Mas, preciso tomar meus cuidados. Apesar de adorar conversar, não estou em meu território. Ele olha nos meus olhos, sorri, solta minha mão e completa.
- Bem...Pollock... topa tomar um café comigo?

Oi?! Pollock sou eu? Espirituoso...Ele sacou que vou demorar para falar meu nome. Gente, que sorriso de canto é esse!? Fala sério né? Café...com um desconhecido? Isso é meio perigoso né? Pensando bem, antigamente não tinham realidades digitais para fugir. Pode ser interessante me arriscar na vida real, só pra variar.

- É, pode ser. Mas, aqui na cafeteria do Museu. - aceito o convite e meu corpo reage como se eu estivesse pronta para mergulhar em uma aventura. Talvez ficar aqui dentro seja meu bote salva-vidas.
- Perfeito. Você vai gostar da cafeteria daqui, apesar de meio cara, tem umas coisas gostosas.

Fico um pouco sem graça de estar ao lado de um desconhecido. Parece que desaprendi a andar, não sei nem onde colocar as mãos. Bizarro! É só andar né?! Mas, fala aí, a quanto tempo você não anda ao lado de um completo estranho?

- Me diga Pollock, quanto tempo vai ficar por aqui? - e com uma pergunta simples e super normal, paro de me preocupar sobre como andar e desato a falar.

Falo como se fóssemos velhos conhecidos. A cafeteria é uma graça, nada muito refinado, com pequenas mesinhas e cadeiras elegantes. Ele senta na cadeira contrária a minha, bem de frente para mim. Por sorte, ele também é falante e evitamos de lidar com o temido silêncio desconcertante.

- E você Joe? Porque estava entediado?
- Entediado? - ele levanta a sombrancelha enquanto coloca a xícara na mesa.
- É, você falou que vem aos museus quando está entediado.
- Ah, sim! Na verdade, desta vez foi mais um 'estava no caminho e entrei' do que o tédio propriamente dito.

Oi?! Como assim?! Ele deve ter visto minha reação estampada na cara, porque continuou.
- Acabei de participar de uma reunião bem tensa na empresa, sai para tomar um ar. E, no caminho o meu museu favorito me convidou para entrar. Entrei!
- Ah!!! Então você também tem um museu favorito. Que legal!
- Pois é Pollock, os quadros e o tédio não são os únicos motivos para eu entrar no museu. Às vezes, é apenas o lugar sabe?! Eu gosto de estar aqui dentro. Fujo um pouco do barulho da cidade. É como se minha cabeça se jogasse em um bom sofá, daqueles que abraça a gente. 

Ele toma mais um gole do café e olha distante. Provavelmente dando espaço para a cabeça fazer exatamente o que acabou de dizer. Foi legal. Eu me permito entrar naquele silêncio e solto minha cabeça naquele sofá. É bom, é bem bom na verdade! 

Quando dou conta, ele já voltou à nossa mesa e está olhando para mim. Devo ter corado, me ajeito na cadeira e coço a testa tentando me esconder um pouco. 

- E você Pollock, veio aqui apenas para ver o seu artista preferido? Fazia tempo que eu não assistia uma pessoa admirando por tanto tempo uma tela.

Ops! Eu realmente fiquei bastante tempo ali né? Eu não sabia que Pollock era meu artista preferido. Outras obras naquela galeria também me fascinaram, eram realmente incríveis. Mas, sei lá, aquela tela em específico, mexeu comigo.

- É...acho que dei uma viajada. Mas, você estava lá faz tempo? - de novo tento mudar o foco para ele. 
- Um pouco. A primeira vez que falei com você, você respondeu no automático. Foi o suficiente para me deixar ainda mais intrigado. Você nem notou quando sentei do seu lado. Foi depois de uns 10 minutos, pelo menos, que você me notou. Na verdade, me sentiu. Provavelmente se você não tivesse mudado de posição, eu não teria chance contra o Pollock.

Não sei o que dizer. Ainda estou absorvendo tudo isso. Caramba, de certa forma, eu fui o Pollock dele. Pelo menos, por aqueles minutos. 


ⒸⓄⓃⓉⒾⓃⓊⒶ...




1 Comentários