Uma voz me desperta da minha hipnose artรญstica. Rapidamente, desvio o olhar para a voz.
- ร incrรญvel. - E volto ร minha posiรงรฃo atual.
Meus olhos estรฃo vidrados nesta tela cheia de rabiscos, estou completamente atรดnita. Eu estou em um universo completamente diferente, sem explicaรงรตes. O meu corpo jรก nรฃo pertence a este mundo. Sรณ agradeรงo a pessoa que entendeu a necessidade de um banco em frente a este quadro.
Eu jรก conhecia o trabalho do Pollock, mas, ver ao vivo, aqui, desta forma, com certeza me pegou desprevenida. E nรฃo sei explicar essas sensaรงรตes. Vi ele de longe e logo reconheci. O meu coraรงรฃo acelerou e fui atraรญda como um imรฃ para este banco.
Ao mudar, de novo, a posiรงรฃo do meu corpo, comeรงo a me questionar sobre o tempo que estou aqui. Mas ainda nรฃo quero sair. Tiro os sapatos, cruzo as pernas sob o banco e apoio as mรฃos para trรกs.
- Ah, desculpe... - digo ao encostar em outra mรฃo - Desculpa mesmo. - fico totalmente sem graรงa, onde eu achava que estava? Em casa?!
- Sem problemas. - ele responde tranquilamente, com um sorriso de canto.
Volto os olhos para a tela, agora um pouco incomodada por nรฃo estar sozinha neste banco. Antes era como se o museu estivesse fechado sรณ para mim. Uma apresentaรงรฃo particular.
- Vocรช realmente gostou desta tela nรฉ?! - ele puxa assunto comigo.
- Hum, sim! - olho pra ele - foi meio que paixรฃo ร primeira vista, ou talvez, segunda... Ainda nรฃo sei ao certo. - Volto os olhos para minha tela. Ela jรก รฉ minha, de alguma forma.
- Vocรช รฉ uma amante das artes? - pelo visto ele nรฃo vai desistir desta conversa.
- Na verdade, apenas uma ignorante no assunto que gosta de uma pincelada ou outra. Sem razรตes tรฉcnicas. - respondo voltando os pรฉs para meu tรชnis.
- Legal. Gosto disso. ร como se as pinturas falassem com vocรช de um jeito que ninguรฉm fala...
Ainda amarrando o cadarรงo, interrompo:
- Isso mesmo! Sรฃo apenas sensaรงรตes. E, nem sempre vem de forma racional. Como este Pollock. - Jรก estou sentada, com uma perna meio dobrada no banco, inclinando minha atenรงรฃo entre Pollock e o rapaz ao meu lado. - Vocรช tambรฉm gosta de ser surpreendido pelos quadros? - pergunto.
- Sim. Bastante. Nรฃo entendo nada de artes, mas quando estou entediado, vou ao museu para descobrir o que ainda nรฃo sei.
- Gostei disso! ร mais ou menos o que eu sinto, tirando a parte do entediada.
- Vocรช รฉ daqui?
- Nรฃo, na verdade sou de outro paรญs. Estou apenas visitando.
- E o que tem achado? - ele pergunta.
- Atรฉ agora? Estou gostando bastante. Bem... devo ter ficado mais tempo do que devia neste museu. Entรฃo, preciso ir. - Levanto, pego minha mochila e comeรงo a andar rumo a qualquer lugar.
- Ei... - ele vem atrรกs. - Sou Joe.
- Oi Joe! - estendo o braรงo em resposta ao cumprimento. Sinto a firmeza agradรกvel das mรฃos dele e um frio na barriga. Ele รฉ bonito e tem bom papo. Mas, preciso tomar meus cuidados. Apesar de adorar conversar, nรฃo estou em meu territรณrio. Ele olha nos meus olhos, sorri, solta minha mรฃo e completa.
- Bem...Pollock... topa tomar um cafรฉ comigo?
Oi?! Pollock sou eu? Espirituoso...Ele sacou que vou demorar para falar meu nome. Gente, que sorriso de canto รฉ esse!? Fala sรฉrio nรฉ? Cafรฉ...com um desconhecido? Isso รฉ meio perigoso nรฉ? Pensando bem, antigamente nรฃo tinham realidades digitais para fugir. Pode ser interessante me arriscar na vida real, sรณ pra variar.
- ร, pode ser. Mas, aqui na cafeteria do Museu. - aceito o convite e meu corpo reage como se eu estivesse pronta para mergulhar em uma aventura. Talvez ficar aqui dentro seja meu bote salva-vidas.
- Perfeito. Vocรช vai gostar da cafeteria daqui, apesar de meio cara, tem umas coisas gostosas.
Fico um pouco sem graรงa de estar ao lado de um desconhecido. Parece que desaprendi a andar, nรฃo sei nem onde colocar as mรฃos. Bizarro! ร sรณ andar nรฉ?! Mas, fala aรญ, a quanto tempo vocรช nรฃo anda ao lado de um completo estranho?
- Me diga Pollock, quanto tempo vai ficar por aqui? - e com uma pergunta simples e super normal, paro de me preocupar sobre como andar e desato a falar.
Falo como se fรณssemos velhos conhecidos. A cafeteria รฉ uma graรงa, nada muito refinado, com pequenas mesinhas e cadeiras elegantes. Ele senta na cadeira contrรกria a minha, bem de frente para mim. Por sorte, ele tambรฉm รฉ falante e evitamos de lidar com o temido silรชncio desconcertante.
- E vocรช Joe? Porque estava entediado?
- Entediado? - ele levanta a sombrancelha enquanto coloca a xรญcara na mesa.
- ร, vocรช falou que vem aos museus quando estรก entediado.
- Ah, sim! Na verdade, desta vez foi mais um 'estava no caminho e entrei' do que o tรฉdio propriamente dito.
Oi?! Como assim?! Ele deve ter visto minha reaรงรฃo estampada na cara, porque continuou.
- Acabei de participar de uma reuniรฃo bem tensa na empresa, sai para tomar um ar. E, no caminho o meu museu favorito me convidou para entrar. Entrei!
- Ah!!! Entรฃo vocรช tambรฉm tem um museu favorito. Que legal!
- Pois รฉ Pollock, os quadros e o tรฉdio nรฃo sรฃo os รบnicos motivos para eu entrar no museu. รs vezes, รฉ apenas o lugar sabe?! Eu gosto de estar aqui dentro. Fujo um pouco do barulho da cidade. ร como se minha cabeรงa se jogasse em um bom sofรก, daqueles que abraรงa a gente.
Ele toma mais um gole do cafรฉ e olha distante. Provavelmente dando espaรงo para a cabeรงa fazer exatamente o que acabou de dizer. Foi legal. Eu me permito entrar naquele silรชncio e solto minha cabeรงa naquele sofรก. ร bom, รฉ bem bom na verdade!
Quando dou conta, ele jรก voltou ร nossa mesa e estรก olhando para mim. Devo ter corado, me ajeito na cadeira e coรงo a testa tentando me esconder um pouco.
- E vocรช Pollock, veio aqui apenas para ver o seu artista preferido? Fazia tempo que eu nรฃo assistia uma pessoa admirando por tanto tempo uma tela.
Ops! Eu realmente fiquei bastante tempo ali nรฉ? Eu nรฃo sabia que Pollock era meu artista preferido. Outras obras naquela galeria tambรฉm me fascinaram, eram realmente incrรญveis. Mas, sei lรก, aquela tela em especรญfico, mexeu comigo.
- ร...acho que dei uma viajada. Mas, vocรช estava lรก faz tempo? - de novo tento mudar o foco para ele.
- Um pouco. A primeira vez que falei com vocรช, vocรช respondeu no automรกtico. Foi o suficiente para me deixar ainda mais intrigado. Vocรช nem notou quando sentei do seu lado. Foi depois de uns 10 minutos, pelo menos, que vocรช me notou. Na verdade, me sentiu. Provavelmente se vocรช nรฃo tivesse mudado de posiรงรฃo, eu nรฃo teria chance contra o Pollock.
Nรฃo sei o que dizer. Ainda estou absorvendo tudo isso. Caramba, de certa forma, eu fui o Pollock dele. Pelo menos, por aqueles minutos.
โธโโโโพโโโถ...
1 Comentรกrios
Joe e Polock, uma dupla inusitada!
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