Cairo e São Paulo



- Você mido para mim, não sabe brigar!
- Como? - não conseguia entender o que era mido, mas eu precisava responder rápido, para não ficar chato. Então fui pela parte mais simples, a única que tinha entendido. - É verdade, não sei brigar.
- Então você mido, mas tudo bem!!! 
Demorou para entender, porém neste segundo momento consegui, mido era mentir.

Ele era um perseguido da Interpol, mas e daí?! Pelo menos foi honesto e certamente tinha boas aventuras, de suas fugidas pelo mundo, para contar. Nascido no Cairo, filho de pai espanhol e mãe italiana, ele era praticamente um nômade. Não sei porque o interesse em conversar comigo, já que certamente eu não chegava aos pés de experiências vividas por ele para ser uma pessoa realmente interessante.

Mas até aí eu não ia perder a oportunidade de dar continuidade na conversa, e cá entre nós, neste mundo moderno, uma conversa com estranho é sempre difícil de se conseguir, pelo menos na vida real, na internet a história já muda de figura. Incrível, alguns momentos antes outro rapaz ocupava o seu lugar, e pelo que notei ele não tinha um livro para aprender a falar português, sendo muito mais fácil puxar assunto. Às vezes acho que o ser humano é movido a desafios, isto é, vale mais à pena arriscar uma estranha com idioma diferente do que de mesmo idioma. Sei lá. Divagações.

A propósito me senti bem ao saber que não era apenas eu que achava aqueles livros de idiomas para viajantes muito difíceis de serem entendidos, na verdade, chatos pra ser mais exata. Meu mais novo conhecido também não gostava, assim como eu preferia uma boa conversa, mesmo com as dificuldades se aprendia muito mais. 

De fato, ele estava se saindo muito bem, há um mês em terra tupiniquim conseguiu expor bastante do vocabulário e ainda afirmou ser uma língua fácil de aprender, confesso ter ficado surpresa com sua eloquência e claro, afirmação de o português ser fácil. Sempre ouvi o contrário.

Nossa conversa foi além do livro e sua fuga da Interpol, não consegui tirar muito de seu passado, na verdade quase nada. Apenas um futuro de um ano e meio no Brasil. Ele, pelo contrário, conseguiu informações sobre o Brasil, algumas cidades, hábitos e minha profissão. Sem problemas, tomei os devidos cuidados, afinal de contas, apesar de nunca entender o conselho 'não fale com estranhos', é preciso cautela.

Apaixonado por Madri ficou impressionado como São Paulo consegue ser mais cara do que lá. Entre Avenida Paulista, Liberdade e Parque do Ibirapuera, ainda não sabe dizer o que é melhor ou pior. Afinal de contas não deu tempo para avaliar. Era divertido conversar, apesar do cuidado para não falar rápido e algumas gaguejadas dele, conseguíamos nos entender.

Hum...já falei que ele era um fugitivo da Interpol? Ok, ele me pediu segredo, mas conto porque sei que ficará entre nós. Muito legal né. Eu viajo na maionese e é óbvio que em muitos momentos fiquei imaginando eu fugindo da Interpol. Já pensou? Joguei tanto este jogo, que talvez seria uma excelente fugitiva. Aí, aí, cada coisa que a gente pensa.


Voltei a mente para a conversa e ficamos ali, muito tempo de bate papo tentando compreender, da melhor maneira possível, o que cada um dizia. Perdi a noção da hora, acho que ele também.

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