EU sai de casa depois de dois meses e alguns dias de isolamento social. O percurso exigia carro, será que ainda lembro como dirigir? Coloquei minha máscara, mesmo sabendo que eu não sairia de dentro do carro, achei de bom tom. Eu teria que lidar com o desconhecido meu e de todos.
Tudo foi muito estranho. O caminho não era novo, mas o percurso estava diferente. Não estava completamente vazio, como minha mente havia fantasiado, mas a todo instante rostos com máscaras me lembravam: não, as coisas não estão normais.
Também senti um medo diferente, medo intenso de participar de um acidente de carro ou um furto na parada rápida do semáforo. Situações normais para uma cidade grande, é verdade, mas sei lá, era diferente. Uma paranóia que não existia em mim.
O sinalizador - que pedia atenção ao semáforo e ao pedestre - agora pedia para eu cuidar de mim e para eu usar máscara. Finalizava com: fique em casa, se puder. Na pista, no lugar de "velocidade reduzida", estava escrito "use máscara". Se antes eu automaticamente verificava o limite ideal da minha velocidade, desta vez mexi o nariz para confirmar a presença da máscara no rosto.
Na esquina dos morangos e frutas, pacotes de papel higiênico. Lojas fechadas, com grandes placas informavam o número do whats para solicitar pedidos ou agendar retiradas. Algumas pessoas sem máscaras, caminhavam lado a lado com outras pessoas sem máscaras. Raridade.
Os meus ombros doíam. A tensão me fez querer chorar. Minha vista embaçou e eu respirei fundo, dentro da limitação de inspirar e expirar oferecida por uma máscara. Na saudades da rua, dei conta que ainda tenho liberdade para respirar, sem limitações, quando estou em casa. Apenas em casa! É como se minha casa estivesse em uma redoma, apesar dos receios, dentro dela sinto uma segurança real.
Eu sempre gostei de dirigir e de andar a pé pelas calçadas. Então, foi bem estranho estar tão desconfortável em lugares, que para mim, eram seguros. Não sei quando vou encarar as ruas de novo. Só sei que enquanto puder, não vou.
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