Ao ser convidada para assistir Uma História de Amor e Fúria (Brasil, 2012) fiquei com um pulga atrás da orelha se iria gostar. Adoro arriscar assistir filmes brasileiros, pois realmente acredito que podemos produzir bons trabalhos, como já temos feito. Contudo, duas coisas me seguravam: o fato de ter índios e de ser uma animação para adultos.
Ainda bem que respirei fundo e fui. O filme é surpreendente, com certeza não tinha absolutamente nada do esperado, superando todas as minhas expectativas. A história gira basicamente em torno de um personagem imortal, cuja voz é dublada por Selton Mello (particularmente não gostei muito desta opção de voz) e Janaína (Camila Pitanga) a amada eterna.
Se ficasse por isso mesmo, seria um monte de blá blá blá e um romance legalzinho. Mas, não. O diretor e roteirista Luiz Bolognesi caprichou. Juntamente com sua equipe pesquisou e estudou a história do Brasil, contudo não aquela história cujo aprendizado na escola é certeiro; ele resolveu descobrir o outro lado da moeda. Para nossa alegria começamos a compreender a maior complexidade da história do nosso país. Segundo Bolognesi estudamos apenas a história escrita pelos bandeirantes e militares, e não temos a voz dos índios, escravos e estudantes. Uma História de Amor e Fúria apresenta estes outros participantes e construtores de nossa história.
Antes que você desista de ver o filme por ter muita história aviso: não faça isso. Houve um cuidado inteligente em narrar nossa história, permitindo o melhor ritmo da narrativa e menos jeito de produto falso. Os personagens conseguem nos envolver provocando tensão, emoção, além de questionamentos do tipo "caramba, será?". Talvez você tenha até um momento como o meu: uow! Então ele é Duque de Caxias?! Não creio!
Uma viagem pela história que vale a pena. A escolha da animação também deu a Bolognesi e equipe ferramentas para trabalhar mais com a realidade fantástica, explorando um pouco do ar lúdico na história e ainda utilizando da mitologia tupi-guarani. Pois é, até para a construção do roteiro houve uma esperteza em deixar de lado arquétipos da mitologia grega, muito utilizada em filmes dos Estados Unidos, por exemplo, para explorar a tupi-guarani e com isto dar mais sentido a um filme completamente brasileiro.
É de fato um filme para se orgulhar de nós mesmos.
O bom ritmo da história é contínuo se sustentando nas belas imagens, ótimos desenhos e quatro momentos - sendo cada um relativo a uma estação do ano, então se reparar observará cores e sensações da primavera, verão, outono e inverno. Fica visível a evolução do personagem principal, todas as suas lutas e amores no decorrer de 600 anos. Você ainda ficará impressionado com a visão de como será uma cidade brasileira no futuro, é realmente de arrepiar.
Para completar esta bela obra, apesar de tantos detalhes e tanta riqueza em todas as etapas, Uma História de Amor e Fúria consegue ser um filme para todos. Não é uma animação infantil e nem pretendia ser. É para adultos de qualquer raça ou posição social. Não é um filme fraco para os 'estudados' e muito menos um filme forte para os 'não estudados'. É um filme certeiro, com história de sonhos, conquistas, lutas, amores e ainda é curioso e envolvente.
Curiosidades:
* O filme passou por vários nomes, entre eles: "As lutas do povo brasileiros" e até "Lutas". Mas a palavra foi banalizada, não passando a ideia de engajamento. Além de ser uma opção que afastava as mulheres de assistir o filme. A escolha final abrangeu o público e o sentido da história.
* O envolvimento de Bolognesi com HQs e Graphic Novels desde a infância, fez com que iniciasse o projeto há 10 anos sobre contar a história do Brasil com animação. "Elas são mais delirantes", conta ele.
* Foram feitos mais de 5.000 desenhos. Para haver mais envolvimento no processo de criação, cada animador fazia seus desenhos com "lápis no papel". Cada cena era iniciada do zero.
* Seguindo um estilo mais de anime, cada segundo leva cerca de 8 desenhos.
* Anhangá = Anhanguera que significa "entidade do mau".
Fui assistir o filme em uma sessão especial para blogueiros. No final, Luiz Bolognesi teve um bate-papo conosco digno, melhor do que muita aula de história.
0 Comentários