Não existe, existe, existiu, vai existir

                                  Ilustração: Beatriz (@artbybiah)


- Eu quero o seu computador quando eu crescer.
- Mas, será que os computadores vão ser iguais aos meus quando você crescer?
- Ué, vão né...
- Não sei, porque oh, quando eu tinha a sua idade, não existiam computadores.

Ela sorri achando que estou tirando uma com a cara dela.

- É mentira né?
- Não, não é mentira, não tinha computadores.
- Você não tinha dinheiro para comprar?
- Não, não existia em lugar nenhum para comprar.
- Ah, tá. Então...o seu pai não tinha?
- Não tinha porque não existiam computadores.
- Ah, tá. 

Ainda tenho a sensação que ela não entendeu que não existiam computadores há 30 anos. É estranho pensar isso, mas é a verdade. 

Em plena época de homeoffice em que tantas pessoas precisam trabalhar em computadores dentro de casa é realmente surreal imaginar que não daria para fazer isso quando eu era criança. 

Então começo a pensar se, sei lá, se a pandemia tivesse acontecido 30 anos atrás. Como ia ser? Aí, do nada já penso que ela não ia acontecer, as pessoas não viajavam tanto de um lado para o outro, de um continente para o outro. Viajar de avião era muito, muito, muito caro - não que ainda não seja, mas...acho que você me entende. 

- Você sabia que também não existia celular quando eu tinha a sua idade?

Ela faz uma careta, deve pensar que estou muito tirando com a cara dela. Como se eu fosse uma adulta querendo aloprar uma criança, só porque ela é criança. Não, não estou. Isso que nem entrei no detalhe da Internet.

- Tinha comida quando você era criança? - me pergunta.
- Ah, tinha sim. Eu tinha comida sim. - e pensei que independente da época que se nasce, a comida sempre existiu, agora, se todos tiveram acesso é outra história. 

Pensando bem, o mesmo acontece com celulares, computadores e tudo mais. Tudo mais! Afinal de contas, existir e ter são coisas muito diferentes.

Será que quando eu tinha 4 anos já existiam computadores em algum lugar e eu nem sabia?

- Mas eu vou querer o seu computador quando eu ficar grande. - ela voltou marcando território, eu não tinha escapatória.
- Mas... e se tiver um melhor, acho que vai ter um melhor.
- Hum...não sei. Talvez.

Depois de um tempo, ela apontou para minha xícara:
- Você tinha essa de escrever? 

Eu olhei e ri. É a imagem de uma máquina de escrever.
- Eu não, mas o meu pai tinha.

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