Devaneios

– Você quer um pouco d’água? – ela sorriu afirmativamente.
Entreguei o copo e sentei ao lado dela. Minha forma discreta de falar: estou aqui. Não adiantou muito. Ela nem se mexeu.

Com as pernas cruzadas, o copo na mão e o braço apoiado no joelho, ela se deixou levar. No mundo dela o barulho devia ser menos agressivo, os olhos quase não piscavam, e quando o faziam, eu aguardava uma lágrima que não vinha.

Não quis perturbá-la, e não permiti que ninguém a tirasse deste momento. Eu estava morrendo de curiosidade. Onde estavam seus pensamentos enquanto os olhos se perdiam no tempo?

Existia uma beleza fascinante, contemplativa e preocupante nesta ausência. Um não lugar mais importante do que o presente, do que eu ali do lado, tirando-a de mim.

No gole da água e retorno ao mundo invisível, comecei a me questionar sobre a minha existência na sua vida. Era isso mesmo que ela queria? Ela está satisfeita? Fiz algo desagradável a ponto de merecer esse gelo?

Neste momento, como se ela pudesse ouvir os devaneios da minha mente. O  desespero dos meus significados nela, senti a mão dela tocando minha coxa. Um toque suave, falava: calma, eu volto! Pelo menos, foi a minha interpretação.

A partir daí deixei de encará-la. Me senti um intruso. Eu não dava conta da intensidade. Peguei a mão dela, dei um beijo suave e sussurrei:

– Fique à vontade. Estarei logo ali.
Sem sorriso, sem confirmações. Completamente hipnotizada. Me retirei.

Não consegui me distrair, me despreocupar por completo. Apesar da  aparente segurança dela e da minha disposição com os outros, eu permanecia preocupado.

Certo, meio egoísta pensar que sou a razão para os pensamentos distantes dela. Mas, independente disso, sinto que os efeitos colaterais chegarão até o meu Universo.

Devo ter rodado meia hora sem dar bola – apesar de o celular jogar na cara apenas cinco minutos passados. Crio coragem e olho, olho para verificar como ela está.

Pronto! Tudo parece estranhamente bem. Ela está interagindo, rindo e até falando. Meio confuso e um pouco irritado por não ser comigo, mas com ele. Tomo um gole de qualquer coisa e me forço feliz pelo retorno ao mundo real. Mesmo não sendo para mim.

O que está acontecendo?

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