Olha o sorvete!!!

- Olha o sorvete! Olha o sorvete!

Gritava do outro lado da Treze de Maio. Ele com seu carrinho amarelo, adesivado de cupuaçu e o roxo do irreconhecível açaí. Não tinha adesivo de sorvete, mas ele insistia neste produto.

Fom! Fom!

O carrinho avisava que estava atravessando a rua. Rua um tanto quanto vazia. Os poucos passantes não pareciam muito interessados no cupuaçu, talvez os amigos atletas – eles estavam vestidos com legging, bermudas, camisas regatas, tops e tinham garrafinhas nas mãos, só podiam ter terminado alguma atividade física – estivessem conversando sobre a possibilidade de adquirir um caprichado açaí para repor a energia.


Carrinho e dono passaram bem do ladinho. Nem era preciso gritar, ou buzinar, assim não assustavam a clientela. Nada! Nem uma demonstração de interesse. Decepcionante. Mas ele continuou, no mesmo ritmo. Na verdade, quase parando, parecia sentir cheiro de cliente no ar.

Definitivamente não era o casal na loja de antiguidades. Estavam encantados demais com toda aquela novidade na velharia, o calor de quase 30° não seria motivo suficiente para a compra de um creme de cupuaçu gelado – acredito ser isso, ou era sorvete de cupuaçu?!, afinal de contas ele gritava “sorvete, sorvete”!!

- Oh Zé!!! – ouvi um grito do invisível, com mais algumas palavras incompreendidas. O ‘zé’ entendeu. Estacionou seu carrinho amarelo com mancha roxa e aguardou.

Não sei exatamente o que. Não havia ninguém daquele lado da calçada, nem do outro. Mas, eu também ouvi o grito. Parecia direcionado a ele, mesmo não sabendo se o moço do sorvete chamava Zé, tinha um tom de ‘espera, eu vou querer’.

Demorou. Talvez não fosse ele o Zé. Eu devo ter ouvido demais. E ele, esperançoso demais. Eu saí, comecei a andar em sentido contrário, olhando vez ou outra para trás. Poxa vida, pena ninguém ter comprado nada. Ele entendeu que não era com ele?! Por que continua parado? Desisti. Ele não. Virei para frente, para não cair.

- Tem de quê?!

Não creio! Alguém realmente o tinha gritado. Ali, em cima daquele mesmo antiquário, existia uma moradora – ou mais, vai saber – e ela falava a língua do “Fom, fom, olha o sorvete”.

- Tem de caju, de mangaba...
- Mangaba?! Nunca comi, dá um desse.

E lá estavam eles, em plena metrópole, em pleno Bixiga, se entendendo como o sorveteiro e a amante de sorvete do interior. 

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