Corcundas da Vida

Às vezes, ou simplesmente muitas vezes, você nota que não entende absolutamente nada do que a vida está tentando falar para você. As interpretações não poderiam ser mais duvidosas, e os sussurros mais impossíveis de serem ouvidos.

Então você começa a abaixar a cabeça, a se encurvar e caminhar a passos mais rápidos para não ser impedido por ninguém. Sem compreender os acontecimentos, só consegue entender a necessidade de fugir, correr, sumir; pelo menos, se comporta de modo a ser pouco notado pelos outros. Assim, não será cobrado pelas não compreensões de todas os minutos vividos sem noção alguma de sua vivência.

Quando se dá conta, já está mais para Corcunda de Notre Dame do que qualquer outro personagem corajoso explorado por algum quadrinho ou filme. Não consegue levantar a cabeça, só enxerga os pés e o horizonte vira uma visão de sonhos. Pouco a pouco, se acostuma com a velocidade, com a ausência de entender, com o automatismo, e até se sente confortável com as costas encurvadas - é mais perto do chão, impede quedas.

Claro que esta nova aceitação de vida não lhe impede de se considerar um marginal, e constantemente se lembra do quanto é vítima de uma sociedade e vida que são incapazes de gastar um tempo contigo para lhe ouvir, e fazer compreender todo o resto que você não ouve mais. Assim como o Corcunda se aceita pela facilidade da ausência de luta, mas rejeita o mundo e não permite seus contatos.

Suas caminhadas são duras, mas e daí, você não tem culpa. Você tentou. Pelo menos é o que diz para si mesmo sempre que pode, como um mantra para se manter na atual posição. Em uma destas caminhadas, com o mesmo mantra de sempre, algo sai errado (ou não). O mantra, sem querer, sai: Mas porque sou a vítima? Eu aceitei esta situação! Eu criei esta situação! E no susto você se endireita, olha para os lados e não entende o que esta acontecendo. Para de correr. Firma os pés no chão, olha para frente e vê o sol, na linha do horizonte, acordando, despertando com um brilho e uma beleza sem igual.

Sorri. Fazia tempo que não virá algo tão belo, tão laranja, tão alegre. Respira fundo e como se os raios de sol fosse te tocassem magicamente começa a compreender: não se trata da vida, se trata de você. Não foi a vida que lhe desejou um caminhar encurvado, mas você que à primeira ausência de resposta acreditou ser o fim do mundo, ao invés de entender que poderia ser apenas o começo.

O sol não espera aplausos por toda a sua elegante e grandiosa apresentação, mesmo assim não deixa de brilhar e ainda se vai com uma graça única, deixando o céu mais colorido e qualquer um de pelos arrepiados. O estado de vítima somos nós mesmos que criamos, somos os responsáveis pela postura errada e por não olhar mais para as possibilidades oferecidas no horizonte. A distância deste horizonte pode assustar, mas não deve nos impedir. É preciso aceitar cada barreira como um novo desafio e não permitir que a ausência de aplausos impeça novas realizações. 

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