Nenhuma Palavra



As primeiras palavras de uma criança são sempre muito comemoradas. A animação é tão grande que uma enxurrada de outras palavras surgem, por parte dos adultos, na tentativa de convencê-la a falar mais e mais. Em pouco tempo a criança não apenas aprende novas palavras, como repete muitas delas numa quantidade tão caprichada que imploramos por um pouco de silêncio. E assim ela cresce, descobrindo a fala e descobrindo uma infinidade de palavras existentes no vocabulário antes mesmo que possámos notar.

A criança não tem medo do que fala, ela simplesmente fala. Descobriu ser uma ferramenta e tanto, muitas vezes mais poderosa do que aquele habitual choro chato. Sabe pedir, sabe gritar, sabe mandar, sabe até comentar - alguns momentos chega a embaraçar seus pais. E são nestes momentos que a criança começa a descobrir as regras para a fala.

Entende ser um mundo limitado, apesar da quantidade de possibilidades orais, ela é ensinada, civilizada a tomar cuidado com o que fala, a hora que fala, quando fala, como fala. Logo, mau começa o seu processo de descoberta, já sente a civilização lhe mostrando a necessidade do calar. No começo, é um tanto quanto complicado, uns pedem para ficar quieta, outros para falar, e quando começa a entender o que realmente é a escola, sente a maior pressão destes momentos controversos. Fale. Fique quieto. Fale. Fique quieto.

Seu crescimento é acompanhado por regras e mais regras. Descobre quais as possibilidades para ser considerada uma pessoa educada e, quais os momentos em que suas palavras poderão causar grande transtorno. 

A adolescência parece ser o momento mais cruel. Além de novidades 'torpes' não vistas com bons olhos pelos pais, mas muitas vezes usadas por eles mesmos; observa como suas mudanças falam alto, mas precisa se amuar, é como se o corpo falasse o suficiente, impedindo que pronunciasse qualquer outra palavra. O momento é de dificuldade, solitário. Não pode perguntar o que realmente gostaria de perguntar, não pode expressar o que realmente gostaria de expressar e suas palavras vão sumindo no meio do repertório já minimizado na infância.

A vida adulta, ou quase adulta, lhe cala mais um pouco. Não é mais bonito, nem engraçado deixar algumas palavras escaparem, mesmo que sem querer. Expor outros questionamentos também está fora de cogitação, nem mesmo controvérsias são vistas com bons olhos. Pelo contrário, mais aulas de como ficar quieto é melhor do que qualquer reação verbal. Afinal de contas, porque mesmo aprendeu a falar? Começa a se perguntar, claro que no fundo de si mesmo, pois imagine só perguntar isso...poderia ser vista como louca.

Por mais adulta que vire. Por mais que sua carreira lhe exija a fala. Começa a descobrir o quanto fala pouco, não porque não goste, apenas porque foi aprendendo as regras do que deve ou não ser dito. Descobrindo o quanto o silêncio é supervalorizado e a fala só é permitida, em excesso, quando o álcool já está em níveis elevados - desculpas podem ser construidas. Será este o motivo do aumento de consumo do álcool? A vontade de falar?!

Sua comunicação já é incrivelmente debilitada, mas fantasticamente dentro dos padrões exigidos pela sociedade. E, como uma bola de neve, se vê ensinando as mesmas lições para seus queridos filhos. E sente, com o tempo, a dificuldade em também falar com eles. Já perderá o jeito com a pessoa que convive do seu lado e alguns amigos, sente poder falar apenas para si mesma, sozinha.

Na velhice a boca já nem abre direito, suas cordas vocais parecem ter perdido a prática. A vida foi muito exigente. Joga palavras cruzadas para tentar manter o mínimo possível de palavras em sua cabeça e conseguir pronunciar, pelo menos, um 'bom dia', 'boa noite'. Até porque, por mais que deseje contar suas experiências de vida e por mais que a juventude esteja cada vez mais calada, parece não haver ninguém disposto a ouvir. Até porque, com o tempo observou que não poder falar, não significava apuração do 'ouvir'.

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