Troca de Olhares


As Meninas - Velasquez

De fato estou de frente para um quadro, um quadro um tanto quanto incógnito, mesmo com toda a sua fama, ainda não consigo compreendê-lo, é como se fizesse questão de se esconder através daquelas pessoas, espaço e luzes.

No centro da obra, bem na frente, uma pequena e loira garota é iluminada pela luz vinda da janela. Sua pele de tão alva quase é anulada pela luz. De corpo fino, magro e modelado pelo seu vestido de grande saia rodada. Porém, a menina não parece de fato estar lá.

Tem um olhar distante. Sua postura a coloca em posição hierárquica superior as duas garotas ao seu lado, menos atraentes, morenas e com vestidos rodados, mas visivelmente mais simples. Contudo não é possível afirmar se temos duas boas amigas ou apenas duas criadas. Nem mesmo se ambas estão falando algo com a menina do vestido amarelo, ou se estão apenas cochichando sobre ela.

Ela que parece não se preocupar com nada ao redor. Uma mão permanece, delicadamente em seu vestido, como na tentativa de se mostrar tranquila e disciplinada, enquanto a outra é tomada pela garota do seu lado direito.

O olhar. Um olhar infantil, curioso e inquieto. Seu corpo e postura podem até estarem prontos para uma pintura, contudo, seu olhar parece querer saber o que acontece do lado de fora daquele espaço. Quase faz todo o seu pequeno corpo inclinar para sua esquerda.
Pelo menos oito pessoas e um cachorro dividem o espaço com a menina dos cabelos dourados e olhos espertos, mas não parecem ser suficientes para sua distração, o lado de cá parece muito mais interessante. Será? Será que ela me vê?

O pintor costuma ser o mais admirado, apesar de não ter luz iluminando-o e estar mais no canto e atrás da pequena garota. Talvez por seu olhar vago, ou por ser ele o dono da obra. Um pintor com aparência mais de mosqueteiro do que qualquer outro artista já visto. Mas não consigo, sempre retorno a garota.

Não só ela me encara com constância como a garota do seu lado esquerdo também parece curiosa em descobrir o que sua amiga/senhora esta observando. O que tanto ela olha que impede de se comunicar com os de dentro?

Sinto, a qualquer momento ela largará tudo e sairá correndo, na tentativa de encontrar algo além dali. Paro de olhar, bate um medo, vai que trocamos de lado? Ou, será eu a observada?

1 Comentários

  1. Texto excelente! E a ideia é verdadeira, pois a aparente calmaria da arte torna-se uma tempestade em mentes inteligentes. Este é o "poder da arte".

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