Mais um eu por aí


Não estava preparada para começar a encarar uma realidade escondida e não compreendida há tanto tempo. Por alguma razão, tive que parar no tempo e pensar, repensar e analisar tudo o que fora utilizado para me construir. Não se trata de compreender de onde vim, já estou grandinha e sei muito bem que a história da abelinha não tem pé nem cabeça. Na verdade, prefiro nem visualizar muito o momento de minha concepção. Só saber o fato de que minha mãe estava dormindo enquanto eu saía de dentro dela já é suficiente.

A verdade é que sempre fujo do momento "auto-análise" para saber de fato quem sou, mas, é claro, em algum momento da vida surge algum chato para me perguntar: afinal de contas, o que você quer? O que você anseia? Quais os seus sonhos? Caramba, é muita pergunta para alguém que nem completou 30 anos, não sei. Quando eu era criança não gostava de cebola e melancia, hoje adoro os dois. Eu amava ficar horas assistindo filmes toscos de terror, hoje acho completamente sem graça. É difícil dar uma exatidão de minha existência, isto porque a subjetividade parece estar dentro de mim, encarando mudanças exigidas pelo mundo e por mim mesma.

Atualmente descubro que Turma da Mônica está presente em minhas palavras escritas e lidas, antes mesmo de Machado de Assis. Isto porque esta turma me ensinou a ler, me fez gastar horas sentada no chão de um jornaleiro qualquer. Pensando bem, talvez este jornaleiro seja o culpado de tudo, já que mesmo eu não comprando nenhuma revistinha, ele permitiu que eu continuasse ali sentada, tentando ler e rindo daquelas figuras bizarras.

Caminhões, carroça, picapes e ônibus são os automóveis mais viventes em minha alma, não por ter comprado algum deles, mas por estarem comigo quando tive que deixar amigos, casas, cachorros e cidades. Amigos inseparáveis. Amigos de boas diversões, momentos tristes e felizes. Até um caminhão baú com as portas abertas e chuva entrando em meio a uma via super movimentada já rolou. Eu lembro, assisti tudo sentadinha no sofá, do lado de dentro do baú.

A saudade nunca me alcançou. Aprendi a não ter saudade, aprendi a não compreender o significado desta palavra. Todos sabiam, eu não. Alguns me olharam feio por não ser iguais a eles, mas o que podia fazer, eles também não eram iguais a mim. Enquanto eu já tinha vivido em mais de dez casas, eles moravam na mesma casa desde o nascimento.

Então, um dia, sem mais nem menos, sem preparação, sem esperar, senti. Descobri o que era saudade. Compreendi que a raiva das pessoas estava no fato de eu não sentir algo ruim, e eles sim, talvez uma pequena inveja da ausência deste sentimento em minha vida. Fiquei nervosa, não gostei nadinha da experiência, saudades não é legal, pelo menos não por completo. Você lembra de alguém que gostaria de estar ao seu lado e não está, qual a graça nisso? Preferia voltar no tempo, refazer meus sentimentos e manter intactos como eram, mas não foi possível. A saudade, quando te encontra, não larga.

É mais ou menos como um sonho, quando muito ansiado ele não deixa você em paz, surge e ressurge, como um urso pode até hibernar, mas retorna para pedir seu alimento. A vida profissional foi assim, um sonho hibernado. Demorei para compreender qual carreira iria seguir, contudo, sabia ser minha paixão as escritas, mas... e o dinheiro?! Dizem ser necessário uma profissão mais bem remunerada, mas meus pais ensinaram ser mais importante o sonho do que os bens. Não que não seja necessário alimentar bocas e o dinheiro se faz necessário para um sonho, mas nenhum MasterCard compra a satisfação de estar realizando um sonho.

Viver a vida toda em uma casa de verdadeiros artistas me permitiu ir além, entender que ser escritora não é tão ruim, e melhor, compreender o quanto lidar com palavras é um dom para poucos, cujo valor deve ser dado sempre, nunca subestimado. Desta maneira, quando menos esperava, quando achava ser o próximo passo uma promoção ou um casamento, lá fui eu largar tudo para realizar mais um sonho.

Entre o nada e o tudo no escuro de quem sou eu, descubro estar dentro de mim, lá no fundinho, a esperança, o desapego, a descoberta, a tentativa, a reinvenção, a conquista, a coragem, o medo... O saber viver cada momento como se fosse o seu último instante, saber aproveitar cada residência como se fosse a melhor de todas, saber que o não saber não é necessariamente um ponto negativo, muito menos o fim do mundo. Então, vou vivendo, sem muito me aprofundar na tentativa de me encontrar, mas, me permitindo apenas viver e reviver independente de qual eu o está fazendo.

1 Comentários

  1. Adorei seu texto, o legal é consegui sentir junto com as palavras o que acredito que você tenha sentido!
    Saudade dói... E coragem é para poucos... :(

    Beijo

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