O Vale da Esperança

- Quem tiver dormindo, acorda!!! Porque a Guerra acabou!! – Um grito ecoava pela vizinhança.

Mesmo sendo apenas uma garota, e, uma garota de doze anos, Virgínia sabia o significado daqueles gritos. Compreendia perfeitamente a alegria de seu pai, sua necessidade de gritar pelos quatro ventos o final da guerra. 

Todos os vizinhos precisavam saber, estavam a salvo. Nenhuma nenhuma mãe correria o risco de ver o seu filho em uma guerra sem pé nem cabeça.

Virgínia morava com seus pais em São Paulo, a cidade estava em crescimento. Apesar disso, as rodas de conversa na casa da vó eram sobre medo e não sobre as mudanças da cidade.

Longe de São Paulo, a II Guerra Mundial acontecia à todo vapor. A distância geográfica era insuficiente para se sentirem seguros. Isto porque o Brasil optou em ajudar os Estados Unidos na batalha em território europeu.

Sendo assim, separou e enviou vários homens brasileiros para o combate. Não foi uma seleção digna de guerra, com preparação física e ademais, pelo contrário, eram jovens sem experiência militar, muitas vezes retirados de seus lares sem nem mesmo compreender o que estava acontecendo.

O desrespeito com estes jovens foi uma das razões que lotaram Guanabara e o Vale do Anhangabaú na chegada dos pracinhas em 1945. A população estava aliviada, ao mesmo tempo em que se orgulhavam por ter de volta os filhos da terra. Arrancados sem nada, para viverem no inferno, não sabiam nem mesmo como usar uma arma.

A vó de Virgínia rezava todos os dias pelos seus filhos e torcia pelo fim daquela tortura, odiava aqueles alemães. A vizinha e amiga não tivera a mesma sorte, viu seu filho partir, para talvez, nunca mais voltar. 

Ele até voltou, mas não era o mesmo, veio doente, algo estava diferente. 

A garota Virgínia sabia tudo e mais um pouco, aprendeu com a vó a odiar situações militares. Bem como se indignar com a atitude de seu país em enviar brasileiros para uma guerra que não era sua. Logo, quando ouviu a vibração de seu pai, correu ao encontro do pai lembrando de todas as histórias.

Seu pai pegou ela e seu irmaõ pela mão. Colocou todos no carro e correu em direção ao Vale. Desta vez o passeio não era para ver o Papai Noel, o Vale do Anhangabaú receberia os soldados brasileiros vindos da II Guerra. 

Ela não acreditava no que estava vendo. Era muita gente e uma infinidade de pracinhas - eles eram chamados carinhosamente desta forma pela população. 

Todos gritavam, aplaudiam, choravam, nada nem ninguém conseguiu conter toda aquela alegria e comemoração. Para Virgínia foi um momento mais do que louvável, eles mereciam ser homenageados a altura. 

Ali ela sentiu que eles deveriam ser sempre relembrados, sempre celebrados. Foram corajosos em um país nada democrático.

Mal sabia ela que o Rio de Janeiro foi além em sua celebração. Não ficou somente nos gritos e palmas, mas preparou uma festança, bandeirinhas, serpentinas, músicas, autoridades e famílias se misturavam no calor da emoção de ver aqueles jovens vivos. 

São Paulo recebia os já prestigiados pelo Rio. O privilégio de assistir aquela cena não foi somente da paulistana, mas também dos cariocas.

As marchas oficiais não conseguiam ser oficializadas, pois um pai voava para abraçar seu filho ou o filho largava tudo para correr para o colo de sua mãe.

Virgínia sentia uma emoção imensa, ver aquele monte de gente reunido, criança, velho, novo, adulto, homem e mulher. Seus olhos não enxergavam o final daquela multidão. 

Ela olhava para a alegria estampada na face de seu pai e sorria, como se uma alegria imensa lhe invadisse a alma por saber que não somente todos estavam ali, mas os cinco filhos de sua vó também. Incluindo o seu pai.

Via em sua vó a melhor mãe do mundo, suas rezas não somente protegeram sua família, como ajudaram a trazer muitos de outras famílias. Era a alegria de casa. Não importa o que aconteça, ela sabia se tratar de um momento para ser lembrando pelo resto da vida.

Já grande Virgínia não só lembra desta história como briga pela honra destes soldados. Viajou para a Itália para conhecer de perto os lugares por onde os pracinhas andaram, lutaram, passaram fome e frio. Onde viveram e morreram. Chorou! 

Compreendeu melhor o grande significado daquele dia no Vale. Conheceu o lugar reservado, por direito, aos mortos de uma batalha injusta. Usou deste conhecimento para impedir a dispersão das histórias contadas de forma errada. 

Afinal de contas, eles podiam ser ignorantes e não saberem direito o que estavam fazendo ali, mas, eram brasileiros cumprindo um dever nacional, mesmo sem direito algum. 

Ainda lamenta por poucos saberem sobre os pracinhas. Lamenta o esquecimento da história em salas de aula e conversas em casa. 

Mas, ainda se emociona ao pegar um jornal e ver que alguém se lembrou daqueles pobres coitados heróis de guerra.


1 Comentários

  1. Gostei 👏👏👏, lembro que passei em algum lugar em Portugal, acho que era perto da torre de Belém que tinha um memorial aos pracinhas com o nome dos que morreram.

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