Um Morto Clássico

Era uma adolescente como qualquer outra, contudo, tinha uma certa paixão pelas palavras escritas, elas me faziam viajar desde a infância e, por alguma razão, o conjunto de minhas mãos adorava rabiscar tantas outras em folhas. Sempre que os professores ou outras pessoas indicavam livros para ler eu via ali uma oportunidade única de mais uma viagem.

Um dia, fui obrigada a ler Machado de Assis, não sei bem se na quarta ou quinta série, mais especificamente Memórias Póstumas de Brás Cubas, eu mal sabia o que significava a palavra “póstuma”, e para quem eu perguntava sobre a obra via cara feia, ou reclamações.

Lá fui eu mergulhar no mundo deste tal Machado, comecei a ler com um pé atrás e sem nenhuma esperança de gostar daquilo, demorei a compreender aquela dedicação mórbida, mas continuei, por alguma razão aquele novo formato, sem pé nem cabeça, me atraiu para não desistir.

Brás Cubas me consumia, vagarosamente e numa rapidez desgovernada, eu já não reparava o que aquele defunto estava fazendo comigo. Assustava-me repentinamente quando falava diretamente para mim, sim porque ele fala com você, eu estava de saco cheio de algumas enrolações de sua conversa quando ele simplesmente falou que sabia que estava sendo chato, e se eu quisesse poderia pular aquelas palavras, mas, poderia sentir falta delas. Levei um susto, virei e revirei o livro como se estivesse procurando alguém. Como assim?! Desde quando um morto, e ainda morto dentro de um livro, isto é, morto duas vezes, fala com a gente?!

Pronto foi mais do que o suficiente para eu saber, precisava ver até onde aquele morto abusado iria chegar. Esqueci até de Machado, era Brás Cubas meu companheiro dos momentos de leitura. Sua vivacidade era maior do que alguns amigos de sala de aula, ele me inspirava, me rebelava, prendia minha atenção. Então decidi, um dia, não morta, mas um dia, escreveria tão bem quanto ele.

Machado de Assis é um clássico da literatura por sua forma anormal e criativa de lidar com as palavras, sem regras, sem lições limitadas da sala de aula, o escritor brinca com suas palavras compreendendo o quão vivas podem ser aos olhos daqueles que lêem. Uma maneira ousada e próxima de lembrar o leitor o quão importante ele é na construção de suas histórias, seus personagens tinham vida própria, ao mesmo tempo em que pareciam estar batendo um papo ao lado do leitor. Os mundos eram um só.

Esta riqueza explorada por Machado de Assis, e adicionada na vida do defunto Brás Cubas aumentaram meu fascínio por livros, e mais, foram o grande estímulo para eu ser escritora, Brás Cubas fez nascer em mim a vontade de escrever, desde então, venho treinando uma forma de mostrar o quanto pode ser delicioso ler.

Memória Póstumas de Brás Cubas foi o primeiro livro que comprei, com meu próprio dinheiro; me fez ir ao cinema para ver se tinha sido gravado de maneira correta, ou se tinham estragado a essência demonstrada pelas palavras; lembra-me sempre que se um morto pode ser incrivelmente vivo o que dizer das vivas palavras literárias.

0 Comentários