Lotação em fuga

Na segunda ela estava completamente lotada, minha lotação fazia jus ao nome, era um coração gigante de mãe. As pessoas podiam sentir de perto o frio dos vidros das janelas, enquanto outros sentiam o calor do corpo alheio colado ao seu. Nada muito novo, na verdade, apenas o caminho de cada dia após um dia normal.

Mas, hoje tudo estava diferente, eu vi ela de longe, fiquei tão feliz que corri ao seu encontro. Estava vazia, vazia. Então, ela me esnobou, não parou, eu reclamei:

- Mas está vazia...!!!!!!!!!!!!!

Não adiantou minha lamentação ou o belo sorriso para amolecer o coração do cobrador. Droga! O dia diferente certamente seria para pior...

- É por causa do fiscal moça... - Gritou o pipoqueiro, na tentativa de me confortar.
- Ah, é?! Obrigada! - De fato, me senti melhor.

Então observei a gigante fila na minha frente. Maior do que na segunda e a fila de vagas para os que vão em pé, sim tem fila para isso também, estava vazia. Estranho!! Apenas dois rapazes, fui para lá.

- Vocês vão em pé?! - perguntou o 'administrador' das lotações. - Se forem, esperem no final da rua, lado direito, antes do farol. Hoje está cheio de fiscal, não estão deixando ir em pé.

Que dia para esses fiscais trabalhar? Fala sério né, eles não têm o que fazer não? Tipo exigir melhores conduções públicas ao invés de nos impedir de viajar em pé na lotação? Tô pagandooo!!! Enfim, questionamentos a parte fomos para o nosso ponto alternativo.

Papo vai, papo vem e a fila foi aumentando. A lotação demorou para surgir, mas lá veio ela em nossa direção. E, lá vamos nós felizes, espertos e esperançosos pela viagem que mesmo em pé durará apenas 20 minutos.

Claro, a história não termina por aqui, apesar do final feliz, ela continua. Lembra falei que seria um dia diferente. E foi...O retorno para casa não enfrentou somente o trânsito, e sim a Polícia Rodoviária Federal...Básicoooo...

E foi dada a largada para a fuga da lotação. Todos dentro torcendo para não sermos pegos, caso contrário, desceríamos no meio do caminho.

- Vai, vai, eles estão no acostamento, fica longe. - gritou um passageiro na tentativa de ajudar o motorista.
- Corre, corre. Vira agora, isso, por trás do caminhão, assim eles não vêem a gente - O cobrador ajudava, enquanto informava os outros amigos pelo rádio.

Neste momento entraram por uma rua qualquer, para se esconder das viaturas. Elas não nos seguiram e demos um tempo por lá. Ninguém reclamou, pelo contrário, todos pareciam compreender a situação e querer ajudar da melhor maneira possível. Então, quando a barra parecia limpa voltamos para o caminho original.

- Vixi..sujou. Agora a gente desce. São três, um na ponta, outros na outra. Ah, nãoo quero ir para minha casa. - O passageiro se desesperou.
- Droga meu. Porque não para os ônibus, eles também levam passageiro em pé e sem cinto de segurança. - A indignação começava a brotar nas conversas em meio a fuga.

A lotação fazia zigs-zags, como se tentasse encontrar uma saída invisível, para não ser vista pelos policiais. Dentro parecíamos mais um monte de frutas sendo batidas em um liquidificador qualquer.

- Vamo todo mundo abaixar para parecer que não tem ninguém em pé. - Alguém sugeriu.
- Não adianta. Eles vão meter o lanternão e ver a gente. - O outro interferiu.
- Ei, ei...ele pegou...ele pegou uma lotação lá atrás olha. Agora dá tempo da gente fugir, corre!!!!!! - o passageiro gritou esperançoso.

Todos olharam e o motorista, com dicas do cobrador, aproveitou a situação para criar novas rotas de fuga. O caminho mudou, não era mais o de sempre, já fazíamos o dobro de percurso, todos já eram amigos de todos. Quando entramos em uma das avenidas duas viaturas vieram ao nosso encontro, o frio no estômago só sumiu quando percebemos não se tratar dos nossos perseguidores. Continuamos trânsito a fora.

Nesta história o herói foi a lotação, os policias os vilões e em duas horas estava, sã e salva, em minha casa, decidida a amanhã pegar o ônibus.

1 Comentários

  1. Adorei, Carol! A cultura ta aí pra ser invertida e subvertida! Lendo sua epopeia, torci pros vilões fora da lei!

    Denise

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